domingo, 10 de agosto de 2008

"Para torcer contra o vento"


"Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade,o atleticano torce contra o vento. Ah, o que é ser atleticano? É uma doença? Doidivana paixão? Uma religião pagã? Bênção dos céus? É a sorte grande? O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e amar o Galo sobre todas as coisas. Daí, que a bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo.

Cheira ao suor da mulher amada.
Cheira a lágrimas.
Cheira a grito de gol
Cheira a dor.
Cheira a festa e a alegria.
Cheira até mesmo perfume francês.
Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú, trêmula ao vento.

A gente muda de tudo na vida. Muda de cidade. Muda de roupa. Muda de partido político. Muda de religião. Muda de costumes. Até de amor a gente muda. A gente só não muda de time, quando ele é uma tatuagem com a iniciais C.A.M., gravada no coração.É um amor cego e têm a cegueira da paixão.

Já vi o atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados. Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar: Nunca mais torço pelo Galo. Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os amantes fazer com o retrato da amada.

Que mistério tem o Atlético que, às vezes, parece que ele é gente? Que a gente associa às pessoas da família? Que a gente o confunde com a alegria que vem da mulher amada?

Que mistério tem o Atlético que a gente confunde com uma religião?
Que a gente sente vontade de rezar "Ave Atlético, cheio de graça?"
Que a gente o invoca como só invoca um santo de fé? Que mistério tem o Atlético que, à simples presença de sua camisa branca e preta, um milagre se opera?Que tudo se transfigura num mar branco e preto?

Ser atleticano é um querer bem. É uma ideologia. Não me perguntem se eu sou de esquerda ou de direita. Acima de tudo, sou atleticano e, nesse amor, pertenço ao maior partido político que existe:
O Partido do Clube Atlético Mineiro, o PCAM, onde cabem homens, mulheres, jovens, crianças. Diante do Atlético todos são iguais: o bancário pode tanto quanto o banqueiro, o operário vale tanto quanto o industrial. Toda manhã, quando acordo, eu rezo: Obrigado, Senhor, por me ter dado a sorte de torcer pelo Atlético.”
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Roberto Drummond
Ferros/MG 21/12/1933 - BH/MG 21/06/2002 - Jornalista e escritor brasileiro. Seu maior sucesso foi o romance Hilda Furacão (1991) que foi adaptado para a televisão por Glória Perez, numa minissérie. Pare ele, o fato do livro ter se tornado sua obra-prima resultou numa espécie de prisão. "Sou um eterno refém de 'Hilda Furacão'", dizia o escritor.
Dirigiu a revista "Alterosa" , fechada em 1964. Colaborou no suplemento literário do jornal "Folha de Minas" e em diversas revistas do Brasil e do exterior. Fez também um programa diário sobre futebol na TV Bandeirantes (BH).
Torcedor fanático do Atlético Mineiro, cronista do jornal "Estado de Minas", escreveu a crônica "Para Torcer Contra o Vento".
Morreu de infarto em dia de jogo Brasil e Inglaterra, que levou a Seleção à semifinal do mundial.

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